A segurança no atendimento energético do Sistema Interligado Nacional (SIN) é um assunto que tem ganhado relevância especial nos últimos anos devido à situação de escassez hídrica vivenciada entre 2014 e 2021, conforme demonstrado em nosso blog. No entanto, essa não foi a primeira crise hídrica enfrentada pelo Brasil.

Evolução da aversão a risco no planejamento da operação energética

Entre os anos de 2001 e 2002, os consumidores brasileiros enfrentaram um racionamento de energia elétrica devido à redução de chuvas e afluências nos principais reservatórios, além de atrasos nos cronogramas de expansão da oferta de geração.

Após esse episódio, o governo brasileiro criou o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), com o objetivo de monitorar permanentemente as condições de fornecimento de energia. Além disso, por meio da Resolução CGE nº109/2002, o governo brasileiro instituiu as Curvas de Aversão ao Risco (CAR). Essa resolução previa que, até o final de 2002, seria adotado um mecanismo para representar o risco de racionamento de energia, externo aos modelos de otimização, baseado em uma curva de segurança bianual do armazenamento dos reservatórios equivalentes por subsistema. As curvas de segurança da CAR foram implementadas nos processos de programação da operação energética e formação de preços.

Com o passar dos anos, as metodologias de aversão a risco utilizadas nos modelos de planejamento da operação evoluíram bastante. Em 2009, foram estabelecidos os Procedimentos Operativos de Curto Prazo (POCP) como métrica adicional para avaliar a segurança do suprimento de energia elétrica. Em setembro de 2013, a CAR e o POCP foram revogados, dando lugar ao CVaR (Conditional Value at Risk), métrica bastante utilizada no gerenciamento de risco do mercado financeiro. Em 2020, os modelos passaram a representar adicionalmente restrições de Volume Mínimo Operativo (VminOp) por subsistema.

No entanto, mesmo com as evoluções metodológicas, ainda se observava uma necessidade constante de geração térmica fora da ordem de mérito, como ilustrado na figura a seguir:

Geração térmica fora da ordem de mérito (2013-2019) - Fonte: CCEE

Por conta disso, na 220ª reunião do CMSE em 2019, o Ministério de Minas e Energia solicitou ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que apresentasse uma nova metodologia para subsidiar o despacho térmico fora do mérito. Ao longo do restante do ano, as propostas dessa nova metodologia foram refinadas, resultando no trabalho proposto pelo ONS em dezembro de 2019: a Curva Referencial de Armazenamento (CREF).

O que é a CREF e qual é a sua função?

A CREF é uma curva construída de forma recursiva, que tem como premissa atender plenamente a demanda de energia do SIN, dado um cenário hidrológico e um montante previamente despachado de geração termelétrica.

Dessa forma, a curva fica condicionada ao montante de despacho térmico, ao cenário hidrológico selecionado e ao nível de segurança indicado para o final do período seco (novembro), variáveis estas que retratam a aversão ao risco percebida pelo ONS e CMSE.

Por se tratar de uma curva recursiva, ela é traçada "de trás para frente", visando determinar os níveis mais baixos que garantam o armazenamento mínimo de cada subsistema ao final de novembro (final do período seco).

A principal função da CREF é auxiliar na tomada de decisão quanto ao despacho térmico adicional ao indicado pelos modelos energéticos (denominado despacho por garantia energética). Através da comparação do armazenamento verificado em cada subsistema e o armazenamento mínimo indicado em cada curva de segurança, o CMSE pode ter maior segurança para decidir pela necessidade de despacho térmico por garantia energética.

A metodologia da CREF se assemelha em alguns aspectos à extinta metodologia da CAR, principalmente no que diz respeito à simulação recursiva dos níveis mínimos de cada mês e por partir de níveis-meta (N.M.) ao final de novembro. Por outro lado, uma importante evolução em relação à metodologia da CAR diz respeito ao uso de um modelo de otimização (DECOMP, na modalidade "PL único") para a construção das curvas de segurança.

A figura abaixo ilustra o fluxograma do processo de construção das Curvas Referenciais de Armazenamento com o modelo DECOMP. Maiores detalhamentos podem ser encontrados na Nota Técnica NT-ONS-DPL-0156/2021.

Fluxograma para elaboração da CREF com o modelo DECOMP – Fonte: ONS

Atualização para 2023

Em sua 275ª reunião, realizada em 15/03/2023, o CMSE aprovou as Curvas Referenciais de Armazenamento para 2023 elaboradas pelo ONS. Como cenário hidrológico, foi utilizada chuva verificada entre outubro de 2020 e setembro de 2021, quando foram registrados os piores valores de afluências em 12 meses do histórico de 92 anos.

Além disso, foi considerado armazenamento mínimo de 21,4% no SIN ao final de novembro de 2023, com a seguinte distribuição entre os subsistemas: 20% no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, 30% no Sul, 23,5% no Nordeste e 22,5% no Norte. 

Com relação ao despacho termelétrico, foram elaborados três cenários distintos:

  • Curva A (verde): Despacho térmico de 9.385 MWmed (CVU marginal de 381,33 R$/MWh);
  • Curva B (amarela): Despacho térmico de 13.917 MWmed (CVU marginal de 886,38 R$/MWh);
  • Curva C (vermelha): Despacho térmico de 18.143 MWmed (despacho térmico pleno).

A figura abaixo ilustra a CREF obtida para cada um dos cenários de despacho termoelétrico para o Sudeste/Centro-Oeste.

Curvas Referenciais de Armazenamento para o SE/CO – Fonte: ONS

Apesar da preocupação do CMSE com a segurança de suprimento, as condições favoráveis de armazenamento em todo o SIN trazem conforto com relação ao abastecimento de energia elétrica, não sendo esperados comandos de despacho térmico por garantia energética para o ano de 2023.

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